sábado, 23 de julho de 2011

Metade - Oswaldo Montenegro


Que a força do medo que tenho
não me impeça de ver o que anseio.
Que a morte de tudo em que acredito
não me tape os ouvidos e a boca,
porque metade de mim é o que eu grito
mas a outra metade é silêncio.
Que a música que ouço ao longe
seja linda ainda que tristeza.
Que a mulher que amo seja para sempre amada
mesmo que distante,
porque metade de mim é partida, 
mas a outra metade é saudade.
Que as palavras que eu falo 
não sejam ouvidas como prece e nem repetidas com fervor
apenas respeitadas como a única coisa 
que resta a um homem inundado de sentimentos,
porque metade de mim é o que ouço,
mas a outra metade é o que calo.
Que essa minha vontade de ir embora
se transforme na calma e na paz que eu mereço
e que essa tensão que me corrói por dentro
seja um dia recompensada,
porque metade de mim é o que penso, 
mas a outra metade é um vulcão.
Que o medo da solidão se afaste
e que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável.
Que o espelho reflita em meu rosto num doce sorriso
que eu me lembro ter dado na infância,
porque metade de mim é a lembrança do que fui 
a outra metade não sei.
Que não seja preciso mais do que uma simples alegria
pra me fazer aquietar o espírito
e que o teu silêncio me fale cada vez mais,
porque metade de mim é abrigo,
mas a outra metade é cansaço.
Que a arte nos aponte uma resposta
mesmo que ela não saiba
e que ninguém tente complicar,
porque é preciso simplicidade para fazê-la  florescer,
porque metade de mim é platéia 
e a outra metade é canção.
E que a minha loucura seja perdoada
porque metade de mim é amor
e a outra metade também.

3 comentários:

  1. Este poema sempre me toca de uma forma tão bela, por mais que eu leia e releia. (:

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  2. Esse poema é lindo; um dos meus preferidos. Demais mesmo! Metade de mim o ama, e a outra metade também HAHA'

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  3. Eu como fã de Oswaldo que sou, adoro (no sentido mais puro da palavra) este poema.

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